É assim que o nome da jovem cientista Katie Bouman irá aparecer na história, ao lado de grandes mulheres, cientistas que ajudaram a mudar a história da humanidade com seus conhecimentos científicos. Senhoras e senhores, estamos participando de um momento histórico, que será relatado em livros de história e ciência no futuro e no centro dessas descobertas uma mulher, cientista de 29 anos, Katie Bouman, responsável pelo desenvolvimento de um algoritmo revolucionário que ajudou a criar a primeira imagem do buraco negro, uma imagem já histórica, um marco para a ciência moderna, o feito mais importante da comunidade científica nas últimas décadas talvez até de séculos. Como aqui é um blog sobre tecnologia, vou focar o assunto nos aspectos técnicos e no algoritmo que levaram a construção da imagem que confirmou mais uma vez que a teoria da Relatividade Geral de Albert Einstein está correta. Vamos descobrir quem é Katie, os desafios, a infraestrutura e o algoritmo que ela desenvolveu para esse feito histórico.

Quem é Katie Bouman?

Katherine Louise Bouman, nasceu em Indiana - EUA, em 1989, atualmente é professora assistente na CALTECH, se formou em Engenharia Elétrica pela Universidade de Michigan em 2011, se tornou Mestre em Engenharia Elétrica e Ciências da Computação pelo MIT, Doutora em Engenharia Elétrica e Computação pelo MIT e Pós-doutoranda na equipe de imagens do Event Horizon Telescope na Universidade de Harvard. É essa participação dela na equipe de imagens do Event Horizon Telescope - EHT, que culminou na geração da imagem mais importante da ciência moderna até o momento e que de quebra gravou seu nome na história.

Katie ao lado dos HDs com os dados

Desafios e infraestrutura

Para fotografar um buraco negro que está a mais de 55 milhões de anos-luz da terra (só para se ter uma ideia, significa que você levaria 55 milhões de anos na velocidade da luz para chegar até o centro da galáxia M87, onde está o buraco negro), 1 ano-luz equivale a 9.461.000.000.000 de quilômetros, seria necessário ter um telescópio de 13 mil KM de diâmetro como declarou a própria Katie ao site do MIT:

“Um buraco negro está muito, muito longe, e é muito compacto”, explicou a cientista Katherine Bouman, ao site do MIT. “[Tirar uma foto do buraco negro no centro da Via Láctea é] o equivalente a fazer uma imagem de uma toranja [uma fruta típica do clima norte-americano] na Lua, mas com um radiotelescópio. Transformar algo tão pequeno assim em uma imagem significa que necessitaríamos de um telescópio com 10 mil quilômetros de diâmetro, o que não é prático, porque o diâmetro da Terra tem menos de 13 mil quilômetros.”

A solução encontrada pelo EHT então foi, unir radiotelescópios ao redor do mundo, pois EHT não é um único telescópio, EUA - Havaí, Arizona, Califórnia, México, Chile, Polo Sul, Espanha, um esforço que une mais de meia dúzia de telescópios e mais de 30 instituições em 12 países, para quem gosta de números, por dia, foram gerados 350 Terabytes de dados em cada telescópio, ao todo foram 5 Petabytes de dados, que eram levados para dois centros para tratamento, e eram processados por longos períodos, como em 2017, que a equipe observou, quando o tempo foi bom e favorável 5 noites, durante uma janela de 10 noites, entre 5 e 14 de abril, o processamento de dados a partir dessas observações poderia levar um ano, isso com supercomputadores, o que levou a seguinte declaração de Shep Doelman: “É um exercício de gratificação tardia, gratificação atrasada ao quadrado”. Bem, se você nunca ouviu falar em radiotelescópio, basicamente é um conjunto de antenas parabólicas de grandes dimensões que lê ondas de rádio (só o ALMA, no Chile, possui um conjunto de 66 telescópios), isso para ser bem simples na explicação. A coleta de dados do buraco negro da galáxia M87 se baseou em captura de ondas de rádio, como mencionado e Katie explicou o porquê na seguinte declaração:

“Assim como as frequências de rádio passam pelas paredes, elas atravessam a poeira galáctica. Nós nunca seríamos capazes de ver o centro da nossa galáxia em comprimentos de onda visíveis, porque há muita coisa no meio. ”

Para deixar de maneira clara alguns dos desafios e infraestrutura utilizada, irei listar parte dos problemas tecnológicos enfrentados pela equipe do EHT:

“Imagine que construímos esse telescópio do tamanho da terra, seria como transformar a terra numa bola de espelhos gigantes. Cada espelho receberia luz que poderíamos, então, juntar para formar uma imagem. Agora, imaginem que removamos a maior parte dos espelhos, deixando restar apenas alguns. Ainda poderíamos juntar essas informações, mas agora há muitos buracos. Os espelhos restantes representam os locais onde temos telescópios. É um número incrivelmente pequeno de leituras para formar uma imagem. Mas, apresar de só recebermos luz em alguns locais, conforme a Terra gira, podemos ver outras leituras. Ou seja, conforme a bola de espelhos gira, os espelhos mudam de lugar e podemos observar partes diferentes da imagem…”

“… Se tivéssemos telescópios em todos os lugares do globo, ou seja, a bola de discos inteira, isso seria trivial. No entando vemos apenas algumas amostras e, por isso, há um número infinito de imagens possíveis que são coerentes com as leituras dos telescópios.”

Abaixo temos a demonstração

O Algoritmo CHIRP e Python para criar a imagem

Finalmente chegamos a parte mais interessante, e você achando que só teriam números e problemas né? Mas na informática é assim, aliás não apenas na informática, mas em outras áreas da tecnologia. Primeiro identificamos o problema a ser resolvido, depois fazemos os levantamentos dos requisitos, por fim fornecemos a solução com base em todos esses dados, e foi assim que ocorreu, Katie Bouman não foi a única que desenvolveu algoritmos no projeto, nem tão pouco havia apenas uma equipe para geração das imagens, a mesma fez questão de afirmar isso em postagens em redes sociais, porém vou detalhar que ela teve sim, papel crucial na geração desta imagem.

Acima, quando detalhei os desafios, falei sobre a genialidade de Katie ao resolver o problema dos atrasos ocultos, esse problema era gerado pelo atraso da chegada de sinal em dois radiotelescópios, para resolver isso ela multiplicou a medida de três telescópios os atrasos dos sinais podem ser cancelados um no outro, isso é uma solução algébrica muito inteligente, mas que causa perda de dados, pois precisa-se da medida de três telescópios e não de dois, porém, a precisão adquirida nessa técnica compensa a perda de informações.

O próximo passo seria montar uma imagem para se ajustar aos dados e atender a expectativas sobre como as imagens se parecem, isso porque com todas as perdas de dados e as lacunas formadas por essas perdas precisariam ser preenchidas, não apenas lacunas mas deveria ser feito a correção e recuperação dessas imagens levando em conta o ruído térmico de cada telescópio e flutuações aleatórias no ruído atmosférico. Então entra o grande insight de Katie Bouman e sua contribuição crucial para o projeto. O papel dela era encontrar a imagem mais aceitável que se encaixasse na leitura do telescópio, então ela desenvolveu o CHIRP (Reconstrução de Imagem de Alta Resolução Contínua usando os antepassados do Patch), anunciado em 2016 pelo MIT, algoritmo trazia uma evolução no algoritmo utilizado até o momento que pressupunha que a imagem era uma coleção de pontos individuais de luz e tentava encontrar os pontos que o brilho e localização melhor correspondiam aos dados, desfocava os pontos brilhantes para tentar gerar alguma continuidade. Com o CHIRP, Katie desenvolveu uma abstração matemática complexa para ajustar as informações dos espaços vazios com os dados dos telescópios. Katie pensou, segundo sua palestra no TedTalks, que assim como desenhistas forenses utilizam a sua técnica e conhecimento em estruturas faciais para criar uma fotografia com dados limitados, fornecidos pela descrição dada a esses profissionais. Com imagens acontecem o mesmo, você sabe como é uma imagem, sabe o que é um pixel, sabe como diferenciar áreas mais suaves e áreas com limites nítidos. Imagens astronômicas possuem as mesmas características.

Gargantua, Buraco negro de Interestellar feito com base nas equações de Einstein: Buraco negro do filme Interestellar

Poderíamos então utilizar as equações da teoria geral da relatividade para produzir a imagem, porém, estaríamos interferindo diretamente no resultado, trazendo a imagem que queríamos ver e não necessariamente a real, pois se a teoria de Einstein não fosse confirmada teríamos um verdadeiro desastre nessa grande iniciativa. Finalmente, Bouman usou um algoritmo de aprendizado de máquina para identificar padrões visuais que tendem a se repetir em imagens de 64 pixels de imagens do mundo real, e ela usou esses recursos para refinar ainda mais as reconstruções de imagem de seu algoritmo. Bouman preparou um grande banco de dados de imagens astronômicas sintéticas e as medidas que elas produziriam em diferentes telescópios, dadas as flutuações aleatórias no ruído atmosférico, o ruído térmico dos próprios telescópios e outros tipos de ruído. Seu algoritmo era frequentemente melhor que seus antecessores na reconstrução da imagem original a partir das medições e tendia a lidar melhor com o ruído.

Como o CHIRP funciona: Demonstração de como o algoritmo CHIRP funciona

Foram três pipelines de código para construir a imagem, vou compartilhar aqui o do Andrew Chael, que compartilhou seu código com módulos Python no GitHub. Ele também criou uma página deste repositório. Tiveram outros pesquisadores que criaram bibliotecas de imagem independentes para o projeto, como o Astrofísico Kazu Akiyama, o algoritmo de Katie testou rigorosamente os três códigos, como relata o próprio Andrew Chael, ao responder a ataques sofridos por Katie, tentando desacreditar o trabalho feito por ela, de fato ninguém faz nada sozinho, como declarou Katie e Andrew, mas é verdade que sem o algoritmo de katie, não seria possível chegar a esse resultado. Pipe ou canalização é uma cadeia de elementos de processamento, organizados de forma que a saída de cada elemento seja a entrada do próximo.

um fato curioso é que foram quatro grupos trabalharam com algoritmos diferentes e proibidos de se comunicarem, realizando os testes finais e geração de imagens, quando eles se encontraram eles mostraram os resultados de suas pesquisas uns aos outros e comprovaram o resultado do mesmo anel. Houve ainda um último passo antes da imagem final do buraco negro, os cientistas reprogramaram os computadores para que o algoritmo de aprendizagem de máquina reconhecesse discos, depois, colocaram os dados reais novamente e o resultado foi o mesmo, uma imagem com a formação de um anel e não um disco, estava confirmado, o EHT criou a imagem mais importante da ciência moderna e Katie Bouman entrou para a história.

Imagem do Buraco Negro de M87: Buraco Negro de M87

O feito de Katie é tão grande que o MIT compartilho uma imagem a comparando com Margaret Hamilton, que desenvolveu o software responsável pelo pouso do homem na Lua, citada no início deste artigo.

Katie Bouman e Margaret Hamilton respectivamente

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